sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O que acontece quando as pessoas descobrem que eu sou de Candomblé

- 100% das pessoas acham que eu recebo santo.
Não, eu não recebo santo. Na Igreja não tem aquela galera que só vai pra rezar, sem ser padre nem freira? Pois é, sou tipo isso.

- 87% das pessoas dizem que são católicos/evangélicos/budistas/insiraqualqueroutrareligiãoaqui, mas morrem de medo de macumba e perguntam o que podem fazer pra evitar ser atingidos.
Os adeptos do candomblé acreditam que o mal só atinge quem faz o mal. Então, se você é uma boa pessoa, não precisa ter medo. Mesmo.

- 73% das pessoas me pede pra organizar um tour e levar elas no terreiro que eu frequento.
Eu quase nunca vou ao terreiro, sou uma fiel indisciplinada. Aqui em Salvador tem mais de 1000, mas eu recomendo a Casa Branca do Engenho Velho, primeiro do Brasil, garanto que você vai ser muito bem recebido. Por favor, vá com respeito e nem pense em tirar foto. As festas são cultos religiosos, não atrações turísticas.

- 69% das pessoas perguntam "qual o meu orixá?".
Só dá pra saber o Orixá pelo búzio. Não tem nada a ver com o mês que você nasce, a cor que você mais gosta, ou sua personalidade. Um Orixá é como um anjo da guarda que está sempre perto de você pra te ajudar, não alguém que controla suas ações.

- 55% das pessoas contam que uma cigana/hippie/benzedeira/parteira disse que o orixá dela era Yansã (é impressionante como o povo gosta de Yansã).
Ver resposta anterior.

- 43% das pessoas pedem o telefone da minha mãe-de-santo porque PRECISAM de uma consulta.
Essa é uma das coisas que mais me ofendem, pessoalmente, porque mostram como o Candomblé é visto. Aqui na Bahia todo mundo é católico, mas, quando o bicho pega, corre todo mundo pro terreiro. Não sou contra o sincretismo, ao contrário. O que me desagrada é ver a o Candomblé tratado como uma espécie de sub-religião.

- 30% das pessoas fala das lendas que conhece e pede pra você contar mais.
Pode pedir, mesmo, conversaremos por hooooras. Adoro as lendas dos Orixás!

- 21% das pessoas dizem que eu estou adorando o demônio e que vou arder no fogo do inferno.
Felizmente, na minha religião não existe demônio. Nem inferno.

- 15% das pessoas me censuram por sacrificar animais.
O sacrifício de animais no candomblé é bem parecido com o que qualquer carnívoro pratica. O bicho é morto, tranformado numa comida gostosa e servido nas festas para ser comido por todos os presentes numa espécie de comunhão. Algumas vezes, a comida gostosa tem que ser deixada no mato e qualquer bicho pode comer (se não for comido, o Orixá não aceitou). Pra quem tem curiosidade em saber, toda vez que um animal precisa ser sacrificado pra virar comida gostosa, um ogã/ekede (espécie de padre/freira) especial que tem que conversar com ele, explicar seu destino e rezar com ele. Pois é, meu povo, não é assassinato sanguinário de bichinhos, é uma prática religiosa realizada com um extremo respeito.

- 2% das pessoas percebem que é minha religião, não uma curiosidade exótica, e me trata com respeito.
Obrigada, 2%!!!!

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Um chuchu e suas conseqüências nefastas

Todo mundo sabe que filmes cabeça são para pessoas cabeça. Só elas tem q.i., bagagem cultural, paciência e imaginação para não dormir durante os 240 minutos de arte e, ainda por cima, captar todos os vieses interpretativos que o diretor-gênio oferece. Eu não sou uma pessoa cabeça. Ao contrário, sou burrinha, superficial e bocó. Por que então ainda me arrisco a assistir filmes de ordem superior?

Lá estou eu, numa tarde ensolarada, sentada na poltrona assistindo (ao mesmo tempo) Gilmore Girls e Project Runway quando, de repente, aparece em minha tela mais uma opção de entretenimento. Um filme com George O'Clooney, gatããão da meia idade, vestidinho de astronauta. Arrisco.

Na primeira cena, ele está na cama e conversa com uma mulher que parece a Meryl Streep. Ela está confusa, pois apesar de ter lembranças, não as sente. São superficiais. Ela duvida da própria existência. Crise. Volto pra Gilmore antes que minha cabeça exploda.

E mais O'Clooney. Na cena seguinte, George está numa sala com duas outras pessoas discutindo acerca dos "visitantes". Parece que eles estão numa estação espacial perto do planeta Solaris e que o diabo do planeta é inteligente e materializa a consciência de quem está por perto. A tripulação quer que o Clooney se livre da Meryl Streep. Ele se nega porque ela é sua esposa. Alguém diz a ele "sua esposa está morta" e ele responde "não fale sobre um conceito que você não conhece". Crise. Project Runway. Urgente!

De volta a Solaris. George O'Clooney está deitado no chão agonizando. Um menininho está de pé olhando pra ele. Ele dá a mão ao meninho. Essa cena dura uns 5 minutos. Crise. Volto pro Gilmore.

Acabam minhas outras opções de canal e eu, relutante, volto a Solaris. Mas não é mais Solaris. É o George O'Clooney vestido de gente (sem roupas de astronautas, digo), subindo escadas, chegando em casa, lavando vegetais, cortando um chuchu, cortando o dedo, lavando o dedo ensanguentado e, tchaaaaaaaaans! A esposa morta aparece! Ele olha pra ela com cara de peixe "Eu estou morto?". Ela responde "Não precisamos mais nos preocupar com isso". Crise. Crise. Criiiiiiiiiiiiiiiise. CRIIIIIIIIIIIIIISE!

Resolvi pegar o filme inteiro pra assistir. Mas, como desgraça pouca é bobagem, peguei o original, do Tarkovsky. Assisti ontem à noite. Continuo em crise.

Procura-se desesperadamente alguém que tenha assistido Solaris para diálogos esclarecedores. Quem estiver apto e disposto, favor escrever para toctoctoc@terra.com.br.

Grata.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Daspu

Já faz mais de um ano que a gente recebe aqui em casa o jornal da ONG Davida, a organização que defende as putas do Rio de Janeiro, e que ganhou fama nacional por sua grife, a Daspu. O meu pai conheceu a responsável pela ONG, Gabriela Leite, num encontro ecumênico e, desde então, recebemos o "Beijo da Rua" mensalmente.

Não sei se foi a minha criação, ou meus genes ruins (talvez a mistura de ambos), mas eu sempre vi a prostituição como uma profissão como outra qualquer. Já cheguei até a discutir com algumas pessoas por causa disso e ouvi argumentos maravilhosos como "mas se a prostituição for socialmente aceita, todo mundo vai querer essa vida fácil!". Eu só não mandei a pessoa tomar coragem e ir logo ser puta porque ela provavelmente ia encarar como uma ofensa... Enfim, se eu já era defensora do respeito às meninas antes, imagina depois que comecei a ler esse jornal!

Quando eu soube que a Davida pretendia criar uma grife própria, tive muito medo delas perderem o espírito da coisa. Confesso que eu ficaria muito triste se a Daspu criasse roupas irreais para serem desfiladas por mulheres de 1,80m e 45kg em alguma "fashion week"... Mas que nada! As roupas são super usáveis - tanto as cotidianas, quanto as "de batalha". E quem desfilou não foi a Gisele, a Adriana Lima, nem nenhuma outra lagartixa esquálida... foram as putas!!!! Putas de verdade, orgulhosas delas mesmas, exibindo-se em toda a sua graça!!!!

Ô, gente, tem coisa mais bonita do que ver alguém lutando por seu direito a ser tratado dignidade e conseguindo? Esse tapa na cara do moralismo foi o mais bem dado dos últimos anos. Puta que pariu, viu?!

\o/

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Perigo na Estrada

Cheguei hoje de Campina Grande. Foi ótimo conhecer melhor o meu Nordestão... mas eu conto mais detalhes sobre a viagem outra hora. Agora eu preciso falar sobre a noite passada: a noite em que dormi com meu namorado, minha sogra e meu cunhado de 10 anos num motel.

Ao invés de fazer a viagem Salvador/Campina Grande num só dia como de costume, resolvemos dar uma parada em Toritama, a terra do jeans. Fomos, então, para Maceió jantar e passar a noite.

Depois de um arrumadinho, macaxeira frita e alguns bolinhos de bacalhau, saímos em busca de uma pousada. As que não estavam lotadas queriam cobrar $100 por um quarto. Como tínhamos torrado todo o nosso dinheiro na terra do jeans, recorremos a uma solução mais econômica: pernoitar num motel. Após algumas horas rodando em círculos no pequeno labirinto que é a capital de Alagoas, encontramos um motel.

Meu namorado, sempre canguinha, quase deu gritinhos de felicidade quando soube que o quarto com ar condicionado estava $20. Eu, de minha parte, não fui muito com a cara do lugar e fiquei ainda mais assustada quando soube do preço. Mas a verdade é que eu estava tão cansada que não tinha forças pra me opor.

Ao chegarmos nos quartos, comecei a perceber que $20 era um preço abusivo. O colchão era um sofá velho, daqueles revestidos de couro falso, coberto por um lençol fino. Os travesseiros eram do mesmo material. O banheiro, sem porta, estava sujo e o chuveiro era uma bica.

Fui ajudar minha sogra a levar as malas para o quarto dela. Assim que entramos, vimos que a TV estava ligada e exibia um filme pesadíssimo. Para impedir meu pobre cunhado de assistir aquela cena grotesca, corremos as duas para tentar desligar a TV. Detalhe: ela tem 1,49m, eu, 1,58m e a TV estava no alto da parede. Entre pulos e risos, conseguimos desligar o aparelho.

Voltei para o meu quarto, quando de repente ouço um choro de criança. Era meu cunhado que tinha se assustado com a pressa em desligar a TV e estava com medo do lugar. Pedia aos soluços pra sair dali. Eu tinha o mesmo desejo, mas, mais uma vez, fiquei quieta.

Acalmada a criança, fui checar a temperatura da água da bica. Gélida. Desisti de tomar banho. Deitamos eu e Jureba que, exaurido pela viagem e por problemas da família, não conseguia dormir. Eu estava com muito sono, mas infelizmente as pulgas não me deram trégua. De meia em meia hora eu acordava pra me coçar e rir da situação.

Às três da manhã, desisti de tentar dormir. Jureba, que não tinha pregado o olho, determinou que era hora de seguir viagem. Como não é difícil de imaginar, minha sogra e meu cunhado também estavam acordados: ela com medo de ser presa por pedofilia e ele com medo do filme pornô. Ás 3:20 estávamos os quatro zumbis no carro de volta a Salvador.

Moral da história: quando for pernoitar numa cidade que não conhece, nunca deixe a escolha do lugar nas mãos do seu namorado mão-de-vaca. Agora deixa eu ir procurar o shampoo do cachorro antes que eu infeste a casa...