domingo, julho 30, 2006

Querido(a),

Não sei se você vai chegar a nascer, mas resolvi te escrever enquanto você existe. Espero que sua mãe não tenha acesso a esta carta (a última coisa de que ela precisa agora é de mais pressão).

Em primeiro lugar, quero deixar claro que te admiro. Você se construiu, apesar do anti-concepcional, e resistiu à pílula do dia seguinte que ela tomou algumas semanas depois sem saber da sua existência. Talvez isso te traga seqüelas, mas, ainda assim, me encanta a sua persistência.

Seu pai... Ah, esse está nas nuvens! Quer muito que você venha. Até pesquisou preço de fralda, acredita? Já sua mãe está angustiada e confusa. Também pudera, não importa a decisão que ela tomar, em algum momento da vida, vai se sentir culpada. É o tipo de situação em que não dá pra deixar de imaginar o que aconteceria se se tivesse feito o contrário. Espero que você a compreenda e perdoe, independente do que ela escolher.

Enfim, pessoa (ou quase isso), essa conversa toda é só pra dizer que, apesar do meu discurso neutro, eu vou torcer por você. Segredo, tá?

Amor da tia,


Lena

p.s.: Aos desesperados, Marina não tá grávida! =p

segunda-feira, julho 17, 2006

Minha avó

Como esse é um blog muito família, continuarei subindo a minha árvore genealógica. Hoje, falarei da mãe do meu pai, já que ele foi assunto do post passado.

Minha avó Esther era diabética e morreu quando eu ainda era muito criança (acho que não tinha nem 5 anos). Segundo me dizem, era uma mulher muito forte e imponente. Mas a Dona Esther que eu tive a oportunidade de conhecer era uma senhora muito frágil - um rosto deformado pela doença e um corpo magro que nunca saía da cama.

Provavelmente por minha vasta experiência com injeções (tomava uma por semana nessa época), eu acreditava que era minha função segurar sua mão e confortá-la enquanto ela tomava suas doses de insulina. E sempre que sabia que era hora do remédio, interrompia o que estivesse fazendo para explicar a minha avó que era só uma formiguinha, que não ia doer nada e que ela tinha que tomar a injeção para ficar boa...

Há dois dias atrás, meu pai se lembrou que um dos últimos comentários da minha avó em vida foi sobre mim. Ela disse que eu era uma pessoa muito boa e fez referência ao meu hábito de segurar sua mão.

E vocês não têm idéia do quanto é importante pra mim saber que a minha avó me via, me ouvia e me achava uma pessoa muito boa. Embora eu ainda nem fosse uma pessoa. E ela já fosse cada vez menos minha avó.

terça-feira, julho 11, 2006

Texto mais lindo do mundo.

"Mas quero falar aqui em especial de uma companhia magicamente confortadora: a de minha filha Helena. Ela, assim que chegava ao hospital se deitava numa cama (em geral na minha: somos bons transgressores) e dormia placidamente. Isso me fazia um bem enorme. Me passava uma sensação de profunda serenidade, dava-me um banho de bom humor. Helena tem um sono bonito, de que atesto o efeito terapêutico. Talvez seja um dom dos deuses, de seus quatorze orixás. Há pessoas de presença forte, que nem precisam de gestos ou palavras para marcar o mundo, preeencher-lhe os vazios. Às vezes, só de passagem, elas tomam conta de um lugar de um jeito que fica sendo definitivo. Seu silêncio tem música. A força de presença não depende de agitação. A gente às vezes vê isso no teatro, no cinema: um ator imóvel ou quase imóvel, toma a cena toda, mesmo que nela haja outros irrequietos. Pode haver nisso técnica dramática, mas penso que o principal é espontâneo, é uma qualidade da pessoa. A presença forte se mantém até mesmo depois que a criatura sai do lugar: seu brilho demora ainda um pedaço. E como Helena provou, atravessa a parede do sono. Quem está perto se sente fortalecido."

Do meu papai pra mim. E pro mundo todo ver. Só pra vocês saberem o que eu já sei há muito tempo: tenho o melhor pai do mundo. Alguém duvida?