sexta-feira, janeiro 28, 2005

Olympio Serra: de Padre a Subversivo

Quando perguntado sobre sua formação, Olympio Serra respondeu aos risos: "É uma loucura!". Falando sempre muito devagar, com pausas intermináveis e assustadoras, ele nos contou um pouco sobre sua carreira, suas crenças e sua vida.

Entrevista realizada por Helena Martinelli Serra e Rodrigo Rosário Dantas.


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Antes de se firmar como um dos maiores antropólogos indigenistas do Brasil, Olympio Serra já era famoso em sua terra natal (Cachoeira) por suas traquinagens. Apesar da evidente falta de vocação, sua mãe, Dona Esther, o enviou para estudar no Seminário Central (atual universidade Católica) com o objetivo de fazê-lo padre. O jovem tornou-se trompetista e cantor do madrigal pelo Seminário de Música, mas, como era de se esperar, decidiu não seguir carreira eclesiástica. Por ser uma liderança dos estudantes de Artes dentro da UNE, Olympio foi perseguido pela ditadura militar. Ainda no Seminário, formou-se em Filosofia e decidiu dar continuidade a seu aprendizado na recém-criada Universidade de Brasília.

O núcleo de professores da UNB era riquíssimo - tinha nomes como Eduardo Galvão (primeiro antropólogo brasileiro a fazer doutoramento) e Darcy Ribeiro. O sonho acabou com o Golpe de 64, quando a maioria dos mestres se recusou a permanecer na universidade e pediu demissão.

Olympio começou a trabalhar com Antropologia ao aprender um modelo de arquivo americano inspirado nos documentos produzidos pelas nações imperialistas do século XIX sobre os grupos étnicos dominados ou a dominar. Esse primeiro contato o levou a se interessar pela Antropologia da Ação.

Mais tarde, entrou em contato com as agências de governo ligadas à questão indígena. Foi diretor de uma divisão do departamento de Pesquisa da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e começou a sonhar com mudanças na estrutura colonial daquele órgão. Até 1975, experimentou trabalhar com base nas idéias de Eduardo Galvão, "separando" as tribos indígenas em áreas culturais que levavam em consideração desde a língua, até a convivência pacífica com outros povos. Na década de 60, ajudou a recuperar e preservar documentos, num trabalho em conjunto com o Museu do Índio, em virtude do incêndio dos arquivos do Serviço de Proteção ao Índio que, em 1964, passava por uma CPI.

Em 1975, foi dirigir o Parque do Xingu (MT), o que ele considera ainda hoje um "exílio em gaiola de ouro". O parque era uma vitrine dos acertos brasileiros em relação à população indígena, mas sofria sérios problemas, como a construção de uma estrada federal ao Norte do território facilitando a apropriação de terras.Olympio iniciou um trabalho de apoio aos índios que habitavam o extremo Norte da reserva e que vinham sendo pressionados a deixar a área. À medida que os entendimentos se aprofundavam, começou a demarcação do parque, incluindo esta área problemática.

Em 1978, foi demitido do Parque do Xingu por discordar da exploração da imagem dos índios por novelas e programas de televisão sem nenhum tipo de retorno. Passou a trabalhar com Aloísio Magalhães no Centro Nacional de Referência Cultural que, mais tarde, foi incorporado pela Fundação Nacional Pró-Memória, assim como o IPHAM. Em seu novo emprego, conviveu com um grupo de técnicos preocupados com o patrimônio histórico e começou a questionar o viés colonial sempre presente nos projetos. Para ele, o patrimônio histórico não podia se limitar à contribuição luso-brasileira.

A partir daí, Olympio Serra iniciou uma campanha pela preservação da Serra da Barriga (AL), local onde, um dia, existiu a Cidade Real dos Macacos, capital do Quilombo dos Palmares.* Enquanto alguns espaços são tombados com o envio de um único telegrama, a Serra da Barriga levou cinco anos para ser considerada patrimônio histórico do Brasil. Esse foi um importante precedente para o reconhecimento de espaços e templos não-europeus e teve como conseqüência não só o tombamento de outros monumentos construídos por influência africana e indígena, mas também a valorização do dia da Consciência Negra no Brasil. A partir desse trabalho, criou-se o Conselho do Memorial Zumbi, do qual Olympio foi presidente de 1980 a 1988.

O governo Collor extinguiu a Fundação Pró-Memória e o Olympio passou a trabalhar no Ministério da Cultura com Wladimir Murtinho na Secretaria para Assuntos Incernacionais e Projetos Especiais. Palvras do próprio: "lá eu só fazia encher o saco". Com Murtinho, foi convidado a presidir a Fundação Mata Virgem e conseguiu terminar a demarçacão do Parque do Xingu, incluindo os territórios ao extremo Norte, graças ao dinheiro da solidariedade internacional motivada pelo cantor Sting (vocalista do The Police).

Após esse período, foi para Fundação Palmares e batalhou para que essa instituição trabalhasse com remanescentes de quilombos.

Atualmente, mesmo aposentado, Olympio Serra continua sendo um "subersivo". Mora no Rio de Janeiro com sua esposa, Niara Jost, e sua neta, Manoela. Nos poucos duas em que se hospedou na casa do irmão, nosso professor Ordep Serra, Olympio estava comprometido com a preservação da Ilha de Velha Boipeba que vem sendo vítima do turismo predatório. Entrou em contato com promotores, Capitães da Marinha...

Olympio Serra não se limitou a teorizar sobre as minorias brasileiras, ele trabalhou por elas. Lutou pela preservação do território indígena e, consequentemente, sua cultura. Buscou alterar a mentalidade colonial nos órgãos públicos brasileiros. Fez com que monumentos negros fossem considerados patrimônio histórico. Estimulou a pesquisa dos povos ignorados para que eles fossem reconhecidos como parte do Brasil.

Este antropólogo dedica sua vida a lutar para que, numa pátria de todos, todos estejam.

*Nessa parte da entrevista, tivemos uma verdadeira aula sobre Palmares. Olympio nos explicou que o Quilombo era na verdade um grande complexo de cidades e aldeias extremamente importante no abastecimento do interior do Brasil, tendo inclusive representantes em Recife. Palmares venceu os dois maiores exércitos da época (o português e o Holandês), fazendo com que o governo chegasse a pensar em reconhecer sua independência. Olympio nos contou a lealdade a Zumbi era tanta que Domingos Jorge Velho (o homem que derrotou o quilimbo) chegou a assassinar todos os homens de uma tribo indígena na frente das mulheres e crianças porque eles se recusaram a aderir ao exército de extermínio. Palmares foi muito maior e mais importante do que a escola nos conta...