quarta-feira, abril 07, 2004

Eu não sei precisar se o que eu vou falar nesse post é uma característica mineira e nordestina, ou se vale para todo tipo de interiorano brasileiro. Da minha parte, tenho a impressão que essa coisa existe por todo o país, mas é mais forte aqui no Nordeste e nas Gerais.

O que tento explicar não é algo concreto. É a capacidade de transformar um fato comum numa saga fantástica, de proporções, às vezes, mitológicas. No Sertão, Agreste e Recôncavo, parece que as pessoas nascem com o dom de conhecer a maneira mais interessante de se contar uma história. Não é fácil. Primeiro, deve-se ter um bom vocabulário. Em seguida, é preciso tecer o enredo com bastante técnica e aprumo. No arremate, muita mágica e generosas doses de sinceridade no falar.

Talvez vocês não estejam entendendo a que eu refiro. Vou tentar esclarecer falando do meu avô Pedro.

Ainda tenho muito fresca na memória a imagem do pai do meu pai: um senhor esbelto, perfumado, bem vestido, e incrivelmente elegante, mesmo no alto dos seus 90 anos. Para mim, um vovô charmoso e simples, que sentia muita saudade da esposa morta e cuidava carinhosamente de seus passarinhos. O Pedro que conheci pela convivência era amável e melancólico; o Pedro que conheço pelas histórias é um herói galante e cheio de nobreza.

Conta-se que, em sua juventude, meu avô tinha uma tropa de burros para aluguel e viajava com ela por toda a Bahia. Quando ele chegava numa cidade, a tropa se perfilava, para que o "comandante" passasse em revista. Segundo a história, à medida que o elegante cavalheiro passava por eles, os burros abaixavam a cabeça, num sinal de reverência e vassalagem, causando furor e admiração entre os habitantes do lugar. Também se diz que, no dia do casamento de Pedro Serra, uma procissão de mulheres ciumentas marchou diante da casa da noiva cantando "quero ver quem pode mais...".

Não são velhos malucos que me contam isso em tom de brincadeira. São os parentes diretos de Seu Pedro, cheios de emoção ao lembrar dele. E de todos os meus familiares por parte de pai, eu só tenho esse tipo de notícia. Não são relatos precisos e corretos. São histórias inverossímeis e cheias de encanto, contadas por quem tem maestria em fazê-lo. Gente dessa arte é muito mais criativa e deliciosa que cem livros de Tolkien e mil filmes de Spielberg.

E todo esse post foi consequência de uma só obra: "O Coronel e o Lobisomem" de José Cândido de Carvalho. Um livro que foi presente do meu namorado e que me fez sentir em casa.

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Não tem jeito! Eu vou ter que dedicar esses escritos a um blogueiro que certamente compartilha do meu orgulho de ser Nordestina, Seu Manoel Carlos, popularmente conhecido como Agrestino.