sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Quando eu tinha dez anos e, é bom deixar claro, ainda era uma criança de corpo e alma, meu pai foi viver por 6 meses em Paris para escrever sua tese de doutorado. Eu pedi para que, quando ele voltasse, me troxesse de presente o meu mais eterno sonho de consumo: uma Barbie. O quão especial seria a minha linda Barbie francesa! Gastei tanto tempo imaginando essa boneca, o rosto, o vestido, a cor dos cabelos. Cheguei a sonhar algumas vezes com o momento em que eu abriria a caixa e sentiria o cheiro de Barbie nova, o melhor de todos os cheiros para a menininha encantada que eu era.

Seis meses depois, quando o meu pai voltou, não me troxe uma Barbie. Ao contrário do que pregava o meu lindo sonho dourado, as Barbies francesas eram (pelo menos para o meu pai que, convenhamos, não era o maior entendedor do assunto) exatamente iguais às brasileiras. Para me agradar, ele foi em casas tradicionais chiquérrimas e me comprou uma linda boneca com cabelos ruivos e cheiro de canela.

A Ágata - foi assim que eu a batizei - é uma preciosidade. É grandinha, deve ter mais de cinqüenta centímetros, usa vestido, chapéu e tem carinha de criança. Chega até a ser irônico admitir que um presente tão rebuscado e lindo foi uma das maiores decepções da minha vida.

Eu não quero parecer ingrata, mas essa é a incômoda verdade. Até hoje eu sinto um aperto enorme no coração quando lembro da primeira vez em que olhei pra ela. Na minha "inocência cruel de criancinha", ainda tive a infelicidade de dizer: "mas eu queria uma Barbie". Como minha irmã mais velha me deu um beliscão bastante doloroso por debaixo da mesa, achei melhor agarrar a boneca e passar a amá-la de forma intensa imediatamente.

Não sei se o meu drama começou ali, mas o fato é que eu odeio ganhar presentes. É impressionante como eu quase nunca gosto das coisas que eu ganho. E ainda passo meses usando, sorrindo e fingindo que adorei. Mas na verdade, odeio. Porque a impressão que eu tenho em 80% das vezes que abro o embrulho é que o que está lá não foi comprado para mim, mas para um ser superior, ou inferior, ou qualquer um que não seja eu.

Acho que puxei a minha mãe nesse aspecto. A diferença é que ela é muito mais sincera e tem coragem de dar fim, devolver, ou trocar as coisas que odeia. Mas essa coragem, eu não tenho.

Eu não quero ir a Paris. Eu não quero gastar minha fortuna com roupas de marca, só pela marca. Eu não quero jóias. Não quero livros que não sejam de Dostoiévsky e Machado de Assis, nem discos que não sejam de Chico Buarque. Não quero quadros autênticos de Romero Britto na minha parede.

Eu quero conhecer o interior de Portugal. Quero usar o que eu gosto. Quero comprar os meus próprios anéis e colares porque eles significam muito mais pra mim do que deveria para alguém tão desleixada. Eu não quero nada além do mais necessário, simples e clássico. Eu quero o que eu sempre quero. E pronto.

p.s.: Se você é meu amigo, parente, namorado, animal de estimação ou qualquer um que tenha me presenteado, por favor, não se ofenda.